Texto de Pe. Adão Carlos Pereira da Fonseca
A fé cristã é a resposta humana, possibilitada pela graça, à revelação divina (Catecismo da Igreja Católica, nn. 153-154). Somente porque Deus se revela é possível ao homem afirmar com certeza a sua realidade. Deus quis se mostrar gratuitamente na história para que a humanidade pudesse encontrá-lo: esse é um dos fundamentos da sua revelação.
Aprouve a Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e tornar conhecido o mistério de Sua vontade (cf. Ef 1,9), pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, e no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2,18; 2Pd 1,4). Mediante esta revelação, portanto, o Deus invisível (cf. Col 1,15; 1Tim 1,17), levado por Seu grande amor, fala aos homens como a amigos (cf. Ex 33,11; Jo 15,14-15), e com eles se entretém (cf. Bar 3,38) para os convidar à comunhão consigo e nela os receber.
Dei Verbum, n. 2.
De acordo com a nossa Igreja, una, santa, católica e apostólica, a revelação divina acontece de dois modos: um público e outro particular. A revelação pública divina é aquela que está contida nas Sagradas Escrituras e na Tradição Viva da Igreja, enquanto a revelação privada é a manifestação particular divina a um dos seus fiéis (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 67).
À revelação pública os fiéis que desejam ser verdadeiramente católicos devem responder obrigatoriamente com a fé. Para que essa resposta fosse possível, os cristãos procuraram, desde o início, resumir a fé da Igreja através de fórmulas de fé, como aquelas que ainda hoje são recitadas na Santa Missa: o credo dos apóstolos e o credo niceno-constantinopolitano (cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 166-184).
A revelação pública está concluída, não podendo ser completada em nada. No entanto, afirmar isso não significa dizer que o processo de sua compreensão esteja encerrado. «Cresce, com efeito, a compreensão tanto das realidades como das palavras transmitidas» (Dei Verbum, 8). Conduzida pelo Espírito Santo, «a Igreja, no decorrer dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que se cumpram nelas as palavras de Deus» (Ibidem). Esse processo de compreensão não é um caminho linear, de ascensão ou descenso, mas com avanços e recuos, como é próprio da história humana.
Para alguns teólogos parece que a teologia (isto é, a explicação da Revelação em conceitos humanos) tenha feito tanto progresso que esteja próxima da conclusão. A casa parece estar já construída, os quartos já estofados, de modo que às futuras gerações não resta nada mais que um trabalho mais modesto de acabamento: decorar os quartos já concluídos, os espaços internos que se tornam sempre menores, colocar em ordem as gavetas. No fim de tudo, somente é necessário tirar a poeira.
von Balthasar, 2008, pp. 40-41.
Essa concepção de que a reflexão sobre a fé tenha feito tanto progresso que não reste nada para ser aprofundado e atualizado acontece, principalmente, porque em alguns períodos da história, os cristãos podem acabar esquecendo-se de algum aspecto importante da sua fé; seja porque não refletiram suficientemente sobre ele, seja porque preferiram ceder àquilo que é comum à sociedade do seu tempo. Toda geração deve sempre pensar de novo, não a partir do zero, mas a partir de Cristo, aquilo que ela está vivendo e ensinando como verdade e prática de fé. O instrumento que os cristãos utilizam para compreender melhor a sua fé no tempo é a teologia, isto é, reflexão séria e organizada sobre as realidades da fé. Para os cristãos católicos, esse instrumento deve estar em diálogo permanente com um outro instrumento doado por Deus: o Magistério Eclesiástico. O Magistério está a serviço da continuidade da fé autêntica da Igreja em todos os tempos e lugares.
[…] tal Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas a serviço dela, não ensinando senão o que foi transmitido no sentido de que, por mandato divino, com a assistência do Espírito Santo, piamente ausculta aquela palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe, e deste único depósito de fé o que nos propõe para ser crido como divinamente revelado.
Catecismo da Igreja Católica, n. 86.
A teologia é um auxílio necessário ao Magistério e a toda a Igreja na sua missão de penetrar cada vez mais no mistério de Deus revelado na história. A fé (como assentimento, como decisão humana sustentada pela graça) deve direcionar-se cada vez mais à objetividade da fé pública da Igreja (conteúdo dogmático). A teologia «pertence ao próprio movimento da fé, que procura a compreensão mais profunda da autorrevelação de Deus, culminada no mistério de Cristo» (Lumen Fidei, n. 36). O Magistério Eclesiástico e a teologia, de modos distintos e unidos, buscam conduzir a humanidade ao conhecimento daquele que nos amou primeiro (cf. 1Jo 4,10).
Diferentemente do que devem fazer em relação à revelação pública, os fiéis católicos não são obrigados a responder à revelação privada com a fé. A ela é possível uma resposta no nível de uma crença meramente humana que possibilite a sua acolhida como um instrumento importante para a revalorização de aspectos essenciais da fé pública da Igreja. Uma revelação privada autêntica jamais irá ter a pretensão de acrescentar algo novo à revelação pública divina, mas procurará ajudar a humanidade no crescimento da compreensão da manifestação divina, cujo ponto ápice é o mistério de Jesus Cristo, Deus encarnado.
A autoridade das revelações privadas é essencialmente diversa da única revelação pública: esta exige a nossa fé; de fato, nela, é o próprio Deus que nos fala por meio de palavras humanas e da mediação da comunidade viva da Igreja. A fé em Deus e na sua Palavra é distinta de qualquer outra fé, crença, opinião humana. A certeza de que é Deus que fala, cria em mim a segurança de encontrar a própria verdade; uma certeza assim não se pode verificar em mais nenhuma forma humana de conhecimento. É sobre tal certeza que edifico a minha vida e me entrego ao morrer. […] A revelação privada é um auxílio para esta fé, e manifesta-se credível precisamente porque faz apelo à única revelação pública. […] Tal mensagem pode ser um válido auxílio para compreender e viver melhor o Evangelho na hora atual; por isso, não se deve transcurar. É uma ajuda que é oferecida, mas não é obrigatório fazer uso dela.
Ratzinger, 2000.
Deus procura mostrar-se à humanidade sempre, em todos os tempos e de variadas formas. Ele jamais abandonou a sua criação, pois ama todas as coisas que fez. Em toda a história humana ele sempre suscitou pessoas capazes de intuir a sua mensagem de vida plena. Nem sempre essa mensagem foi compreendida corretamente, mas ainda assim ele continuou a esperar a resposta possível humana, procurando sempre romper através do amor paciente as incompreensões da sua criatura. Deus é um excelente pedagogo, capaz de tomar a sua criação pela mão para conduzi-la ao conhecimento do seu amor infinito.
À realidade da revelação privada divina muitas vezes costuma-se opor o argumento de que ela não é necessária, pois já foi concedido à humanidade tudo aquilo que é necessário, isto é, a revelação pública. A isso é possível responder com o teólogo Hans Urs von Balthasar: «Deus não se atém de um modo minimalista ao mínimo necessário, já que a beleza eterna se irradia e se esbanja sempre de um modo superabundante, que supera toda exigência e expectativa» (von Balthasar, 2008, p. 368). Deus não é o senhor da mínima doação, mas da superabundância do amor. Ele somente pode doar-se totalmente, de tal forma que a revelação não é uma simples comunicação de verdades abstratas, mas a própria manifestação de Deus.
Deus continua a conduzir o seu povo na história. Para que isso fosse possível ele enviou o seu Filho ao mundo, para que o amando até o fim, até à experiência do sacrifício de si mesmo em favor da humanidade, o seu Espírito pudesse ser derramado sobre toda criatura. Esse Espírito fala ainda hoje na Igreja, na interpretação autêntica do que foi revelado, na compreensão sempre maior daquilo que foi recebido e, de modo extraordinário, particular, naquilo que é chamado de revelação privada, como é o caso das aparições da Virgem Maria.
Referências bibliográficas
Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 1999.
Dei Verbum. In: Compêndio do Vaticano II. Constituições, decretos, declarações. 29.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
Papa Francisco. Lumen Fidei. In: Encíclicas de Bento XVI. Organização e apresentação de Rudy Albino de Assunção. São Paulo: Paulus, 2021.
Ratzinger, J. Comentário teológico ao terceiro segredo de Fátima. In: Congregação para a Doutrina da Fé. A mensagem de Fátima. Disponível em: «https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000626_message-fatima_po.html». Acesso: 27/07/2022.
von Balthasar, H.U. Abbattere i Bastioni. 2.ed. Roma: Borla, 2008.