Texto: Pe. Gilmar Boaventura Campos

Aproxima-se o tempo litúrgico da quaresma e com ele a Igreja no Brasil celebra a Campanha da Fraternidade (CF), que é um modo de estimular o cristão católico a viver com maior intensidade as ações exteriores desse período, a saber, a oração, a caridade e o jejum que, em geral já são bem praticadas pelos fiéis. A CF tornou-se expressão de comunhão, conversão e partilha. Comunhão na busca de construir uma verdadeira fraternidade; conversão na tentativa de deixar-se transformar pela vida fecundada pelo Evangelho; partilha como visibilização do Reino de Deus que recorda a ação da fé, o esforço do amor, a constância na esperança em Cristo Jesus (cf. 1Ts1,3).
Assim, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta a cada ano, desde 1964, um tema e um lema para iluminar o tempo da quaresma, dando identidade visual à Campanha da Fraternidade. Para este ano de 2023 foi escolhido o tema: “Fraternidade e fome”, e o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).
Pela terceira vez, em quase sessenta anos, o tema da fome é abordado pela Igreja no Brasil. A primeira vez foi em 1975, com o tema: “Fraternidade é repartir” e o lema: “Repartir o pão”. A segunda foi em 1985, com o tema: Fraternidade e Fome, sendo o lema: “Pão para quem tem fome”. Agora, em 2023, a Igreja propõe novamente o tema “Fraternidade e Fome”. Desta forma, enfrenta-se pela terceira vez o flagelo da fome no País, agora com um novo agravante, o cenário da pandemia sanitária causado pela COVID-19.
Lembra-nos o Texto Base da Campanha da Fraternidade que “a fome é um instinto natural de sobrevivência presente em todos os seres vivos. Contudo, na sociedade humana, a fome é uma tragédia, um escândalo, é a negação da própria existência” (TB, n.5). Na Fratelli Tutti, documento em que o Papa Francisco menciona a fraternidade e a amizade social, recorda o sumo pontífice que o escândalo da fome está transformando o atual sistema em um verdadeiro assassino: “As crises sociais, políticas e econômicas fazem morrer à fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa da pobreza e da fome; reina um inaceitável silêncio internacional” (n.29). Nesse contexto, aparece a voz profética da Igreja denunciando o descompromisso social e anunciando a tão necessária caridade cristã como mensagem de esperança para o povo sofredor.
Na apresentação do Texto Base, a presidência da CNBB chama a atenção que “a Campanha da Fraternidade é o modo brasileiro de celebrar a Quaresma” (TB, n.1). O convite, portanto, é para “viver a Quaresma à luz da Campanha da Fraternidade e viver a Campanha da Fraternidade em espírito de conversão pessoal, comunitária-eclesial e sócio-político”. Eis o maior e mais importante desafio a ser enfrentado nesse tempo favorável de mudança de vida.
A CF 2023 objetiva despertar o espírito de caridade e de compromisso que precisa estar presente em todos que querem ser discípulos de Jesus. O tema “Fraternidade e fome”, juntamente com o lema “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14,16), incentiva nossas comunidades a assumir suas responsabilidades ante a situação da fome que persiste no Brasil, a exemplo do Mestre Jesus.
Interpelados pelo texto (Mt 14,16) que inspirou o lema desta Campanha, temos a mesma missão de Jesus: detectar o problema da fome, organizar a partilha e alimentar as pessoas, sem ignorá-las e sem despedi-las. Ir além, saciar não somente a fome corporal, mas também a fome social e estrutural. Todo seguidor de Jesus assume o compromisso de justiça social, ou seja, recebe o legado irrenunciável: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. É à luz dessa Palavra que precisamos encontrar estratégias de ações para auxiliar os irmãos mais vulneráveis.
Ver a realidade da fome, detectar suas causas e consequências são tarefas indispensáveis para melhor agir. O Brasil é considerado um celeiro do mundo em produção de alimentos, mas a fome é real e atinge hoje cerca de 33,1 milhões de brasileiros; como superar essa grande contradição?A distribuição injusta da terra, a política agrícola perversa que coloca o sistema produtivo a serviço do sistema econômico financeiro, priorizando o agronegócio exportador em detrimento da agricultura familiar; o desemprego, o subemprego,a política de desvalorização do salário mínimo, a ganância do dinheiro, do poder, da imagem, a perda do sentido comunitário e a corrupção, em suas diversas formas, formam as principais causas da fome; precisam ser denunciados para que não existam desagregação familiar, graves problemas para a saúde, desqualificação educacional, geração da violência e perda do sentido da vida; todas são agravantes consequências em virtude dessas injustiças.
A fome nos desafia e desestabiliza. É preciso despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo, em particular, os cristãos, na busca do bem comum; educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho e renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização e na promoção humana em vista de uma sociedade justa e fraterna. Portanto, a Campanha da Fraternidade, celebrada no período quaresmal, convida os católicos a imitarem a misericórdia do Pai partilhando o pão com os necessitados, fortificando nosso espírito fraterno e solidário.
Boa quaresma! Caridosa Campanha da Fraternidade e pés firmes no caminho que leva a Páscoa!