Texto de Marcelo Mendes Miranda
Vocação é uma palavra que vem do termo latino vocare, que significa convocar, chamar, escolher. É, portanto, um chamado de Deus a uma determinada pessoa. Esse chamado é individual, possui características únicas para cada um: “antes de formar-te no seio de tua mãe, eu já te conhecia, antes de saíres do ventre, eu te consagrei” (Jr 1, 5). Por isso, há uma etapa fundamental na vida de cada ser humano, chamada de discernimento vocacional. Na Igreja todos são vocacionados, porque chamados. Assim, todos os fiéis tem um chamado para realizar a sua vida cristã conforme a missão que Deus lhe confere. O Catecismo diz que: “Deus chama-nos à sua própria felicidade. Esta vocação dirige-se a cada um, pessoalmente, mas também ao conjunto da Igreja, povo novo constituído por aqueles que acolheram a promessa e dela vivem na fé” (CIC nº 1719).
Vocação, portanto, está ligada ao nosso existir. Nenhuma pessoa deixa de buscar sentido para sua vida, de encontrar a felicidade para se realizar. A vocação é o apelo de Deus no interior de cada um de nós, independente até de religião. Assim, o chamado acontece no dia a dia da nossa vida e se concretiza por meio de nossa livre e amorosa resposta. Vocação é modo de ser, onde aparece a nossa relação com Deus que se desdobra em relação com os outros.
É na perspectiva da liberdade de Deus que conversamos sobre vocação, onde cada um de nós é provocado a discernir a própria vocação através de um amoroso diálogo com o autor de nossa vida e aí descobrir e celebrar novos compromissos onde cada um de nós assuma com generosidade e amor a vocação a que o Senhor nos chama. Pois, “Aquele que chama é fiel”!
Mas para discernirmos a vocação a que Deus nos chama é preciso compreender a nossa identidade como discípulos de Cristo. Não podemos fazer isso sem ter certeza de que conhecemos a nós mesmos. Quem somos? O autoconhecimento nos torna cada dia mais conscientes daquilo que Deus deseja de cada um de nós. A figura de Abraão nesse sentido nos ajuda: “O Senhor disse a Abraão: ‘Sai de tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei: engrandecerei o teu nome, e tu serás uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão abençoadas as tribos da terra’” (Gn 12, 1-3).
A história de Abraão começa com um chamado. Deus se faz ouvir. O Deus que se dirige a Abraão é um Deus íntimo ao homem – fala-lhe a partir de dentro. É o Deus do coração. Para que Deus comece a falar a Abraão, Abraão não tem que fazer nada de tipicamente religioso: não esculpe uma estátua, não celebra um rito especial, mas pressente uma voz no coração, segue uma intuição que nasceu nele e que nunca antes havia sentido.
(RUPNIK, 2019, p. 55)
Assim acontece com cada pessoa, o Senhor fala ao coração, na intimidade do nosso ser, convida-nos e orienta-nos a nos colocarmos em suas mãos não para irmos a um lugar, mas em direção a Ele mesmo que nos chama a uma nova existência, uma existência relacional que é comunhão. Então para que cada um de nós possa acolher o dom da vocação é preciso levantarmos os olhos num gesto de abertura do coração e nos encontrarmos com o Senhor, por isso conosco mesmos. E investir as nossas forças e energias num acolhimento que transforma a nossa vida e o lugar em que estamos. E nesse diálogo com o Senhor compreender a vocação que em suma é a “vida, a vida como comunhão, que se realiza não segundo o nosso querer nem segundo as leis da natureza, mas segundo a vontade de Deus” (RUPNIK, 2019, p. 78).
O Papa Francisco diz que o escutar a voz de Deus e decidir por abraçá-la é uma decisão pessoal que ninguém pode tomar em nosso lugar. Essa tarefa exige oração prolongada pois, “somente quem está disposto a escutar é que tem a liberdade de renunciar a seu ponto de vista parcial e insuficiente” (Christus Vivit nº 284). Na oração, no silêncio e na leitura da realidade que nos rodeia, segundo Francisco, podemos nos perguntar; “para quem sou eu?” E a resposta: “És para Deus, sem dúvida alguma; mas ele quis que fosses também para os outros, e colocou em ti qualidades, inclinações, dons e carismas, que não são para ti, mas para os outros” (Christus Vivit nº 286). Somos chamados, vocacionados a fazer da nossa vida uma vida de acolhida e doação que quebra as nossas seguranças, mas que ao mesmo tempo leva-nos a uma vida melhor e feliz.
Para realizar o plano de Deus em nossas vidas, existe um chamado específico para cada pessoa: sacerdotal, matrimonial, religioso e leigo. Assim, cada um, conforme a sua vocação, é chamado a colaborar na construção de um mundo justo e fraterno. E o fundamento de todas as vocações é a vivência profunda da vocação batismal.
O tempo é oportuno e a Graça de Deus favorável para que cada um de nós cresça na fé, na esperança e na caridade, o que se alcança no crescimento da busca e encontro de um sentido para o nosso existir, para a nossa vida. Nesse sentido, é preciso ouvir a voz de Deus que nos chama. E Deus na sua liberdade, chama a todos nós, por isso todos somos vocacionados de Deus. Qual é a vocação a que Deus lhe chama? Qual é o sonho de Deus para você? Vocação não é só chamado, é também resposta… qual é a sua?
Referências
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
FRANCISCO. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus Vivit. São Paulo: Paulinas, 2019. RUPNIK, Marko Ivan. Segundo o Espírito: A teologia espiritual no caminho com a Igreja do Papa Francisco. Brasília: Edições CNBB, 2019.