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A Assunção de Maria ao Céu em Corpo e Alma

Artigo do Cônego Manuel Quitério de Azevedo

O culto que prestamos de hiperdulia na Igreja Católica a Maria Santíssima, nos ajuda a abandonarmos confiantes nos planos de Deus. Atesta a Lumen Gentium: “A devoção a Maria favorece a união imediata dos crentes em Cristo” (LG 65). A fé cristã vê em Maria concebida sem pecado a esperança e a imagem protótipo da Igreja. A razão disso, apontada por K. Rahner, é que Maria está exatamente no ponto da história salvífica de modo definitivo e irrevogável com a obra de Deus através de sua liberdade (RAHNER, Saggi di cristologia e di Mariologia, 423). Seguindo este raciocínio a Igreja Católica professa quatro dogmas marianos. A Maternidade Divina de Maria. Sua Virgindade Perpétua. A Imaculada Conceição e Assunção ao Céu. O Papa Bento XVI, assevera: “a melhor forma de defender a divindade de Jesus é aprofundar o conhecimento sobre Maria” (RATZINGER, Joseph, A filha de Sião, 26-27). Estas verdades de fé são “a humildade que atraiu o olhar de Deus sobre Maria”, diz o Papa Francisco (Angelus de 15 de agosto de 2021). Por isso, quem percorre os Evangelhos se depara com passagens que em si revelam a grandeza de quem recebeu o anúncio de sua escolha para participar do processo redentor da humanidade, sendo então saudada por sua prima Isabel como “a cheia da graça e bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,28). Sua certeza era tão grande, que diante de tão inefável delicadeza proferiu: “todas as gerações me chamaram de bem-aventurada” (Lc 1,48). Daqui, que desde seus inícios a Igreja se interessou por conhecer sua verdade. Assim, vão erigindo os dogmas marianos no seio da Igreja. Dogma nada mais é do que uma verdade de fé; uma definição solene da Igreja proclamada pelo Magistério Extraordinário, ou pelo Papa, quando se expressa como Pastor Supremo de todos os fiéis. Essa verdade é absoluta, definitiva, imutável, infalível e absolutamente segura sobre a qual não pode pairar nenhuma dúvida. Os dogmas marianos representam os pontos culminantes da verdade sobre a “mãe do Senhor” (Lc 1, 43) que a Igreja elaborou ao longo da história. No seu conjunto são uma catequese. É nesta perspectiva que o Catecismo da Igreja Católica faz todo um discurso personalizado sobre a Mãe de Deus, visando seu comportamento de obediência à fé (Rm 1,5), na convicção de que nada é impossível para Deus (Lc 1,37; CIC 142-184).

Os dogmas marianos são luzes que iluminam a fé. É com esta certeza, que Maria vai surgindo na caminhada da Igreja como presença atuante e viva. Tudo é relativo a Cristo e tudo dele depende (Marialis Cultus, 25). Nela encontramos a máxima densidade Cristológica-histórico-salvífico. Ela é o sinal escatológico da Igreja peregrina sobre a terra; é a antecipação da igreja celeste (Lumen Gentium, 62). Como primeira redimida, a Virgem Santíssima se torna sinal do futuro definitivo salvífico em Cristo (T. GOFFI, Maria no itinerário espiritual da Igreja e do cristão, 53). Ancorado no dogma eclesial, mostrando a relação Cristo-Maria, K. Rahner, se expressa assim: ”Só podemos compreender Maria partindo de Cristo” (Saggi di cristologia e di mariologia, 416). A mãe de Jesus está presente nos momentos decisivos da vida de Jesus. A inseparabilidade de Maria em relação a Cristo não é tanto um elemento apriorístico – um apriori -, porém, sim, bem mais um dado bíblico (A. AMATO, Jesus Cristo, 642), como atestam os Evangelhos. O Catecismo da Igreja Católica, assegura-nos: “Finalmente, a Imaculada Virgem, preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste” (n.º 966). Por isso, o dogma da Assunção, o mais recente dos dogmas marianos, foi proclamado solenemente pelo venerável Papa Pio XII, no Ano Santo de 1950, na Constituição Apostólica Munificentissimus Deus com as seguintes palavras: “Para glória de Deus onipotente que concede à virgem Maria a sua especial benevolência, em honra do seu Filho, rei imortal dos séculos, vencedor do pecado e da morte, para aumento da glória da sua dileta mãe e para alegria e júbilo de toda a Igreja, Nós afirmamos, declaramos e definimos com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo e nossa: é dogma divinamente revelado que Maria, Mãe de Deus, imaculada e sempre virgem, depois de terminar o curso terreno da sua vida, foi assunta de corpo e alma à glória celeste” (DS 3903).

A proclamação deste dogma não trouxe novidade para a fé. Já desde nos séculos V e VI, a fé começou a se interessar por esta questão. Os ecos da patrística agraciaram este privilégio, ainda que de um modo implícito, primeiramente no Oriente, depois no Ocidente. No século VI, vemos uma alusão no texto de Gregório de Tours: “Maria a gloriosa geradora de Cristo, que como se acredita, virgem antes do parto, assim também que confessa depois do parto, foi levada ao paraíso por meio dos coros angélicos que a glorificavam com seus cantos, precedidos pelo Senhor” (C. I. GONZÁLEZ, Maria evangelizada e evangelizadora, 212). Santo Epifânio, no século IV e início do século V, nos relata: “Talvez pudéssemos em alguma parte descobrir traços dessa Santa bem-aventurada, ainda que seja impossível descobrir se morreu. No entanto, já não afirmo isso de maneira absoluta, nem posso dizer que ela permaneceu imortal, mas tampouco posso decidir que tenha morrido. Mas, em todo o caso, mesmo que tenha sido sepultada, ela nunca teve contato com homem algum. “Ou a Virgem Santíssima morreu e foi sepultada e então sua morte está ligada a um grande esplendor e seu fim foi casto e uma coroa de sua virgindade; ou então foi morta, como parecem indicar as palavras da escritura: Uma espada traspassará tua alma (Lc 2, 33-35), obtendo assim a honra dos mártires, e então seu santo Corpo foi sepultado na felicidade, já que por meio dele a luz iluminou o mundo. Ou então permaneceu em vida, porque Deus pode fazer o que quer. Mas seu fim, ninguém conhece” (S. EPIFÂNIO, Panarion (Adv. haer.) 78, 11 e 24: PG 42, 716 e 737). Os fiéis, deduziram não o termo ou a conclusão de Maria, mas a culminância e a perfeição alcançada em seu objetivo final. Maria rompeu os limites da morte e alcançou a plenitude de vida ressuscitada (L. BOFF, O rosto materno de Deus, 178). A fé proclamou a Assunção de Maria em corpo e alma ao céu (K. RAHNER, Marie, Mère du Seigneur, 104). Em um nível escatológico, Maria vem “divinizada” sumamente, conservando sua natureza humana criada, mas unida de forma indissociável e inconfundível com o Espírito. Maria, glorificada nos céus em corpo e alma, é também imagem e início da Igreja do futuro, sinal escatológico de esperança e de consolo para o povo de Deus que caminha em direção à Pátria definitiva (C. CALIMAN, Teologia e devoção mariana no Brasil, 132). O Concílio Vaticano II proclama isso com veemência: “A Mãe de Deus, já glorificada no Céu em corpo e alma, é imagem e primícias da Igreja que há de atingir a sua própria perfeição no mundo futuro” (LG 68).

A Munificentissimus Deus vê, assim, a Assunção de Maria como o desfecho de sua vida plenamente voltada para Deus e para os outros, em contraposição radical a tudo aquilo que é pecado, diminuição de vida (I. GEBARA-M. C. LUCCHETTI BINGEMER, Maria mãe de Deus, 133). Alguns autores apresentam como fundamento bíblico a descrição de Ap 12,1: “Um sinal grandioso apareceu no céu: uma Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. Pedro Iwashita, assevera: “A graça em Maria seria o fundamento de sua assunção corporal e glorificação (Maria e Iemanjá, 158). Por isso, “a Assunção de Nossa Senhora não é um privilégio separado, mas o ápice da eminente redenção de Maria” (E. H. SCHILLEBEECKX, Maria, Mãe da Redenção, 57. Os que estão com o Senhor são já ressuscitados com Ele no céu (Ibd 183). A Assunção de Maria não é, assim, uma realidade solitária, para o povo de Deus a caminho, mas um estímulo e um ponto de referência como o empenho na realização do próprio caminho histórico que já contém em si o embrião da perfeição escotológica final. Maria Assunta ao Céu em Corpo e Alma …. Rogai por nós.


Bibliografia:

M. Jugie, “Assomption de la Sainte Vierge”, in Maria t. I 627-630;
I. Gebara-M. C. Lucchetti Bingemer, Maria mãe de Deus, 133.
E. H. Schillebeeckx, Maria, Mãe da Redenção, 57
L. Boff, O rosto materno de Deus, 182.
C. Pozo, Maria en la obra de la salvación, 321-322
P. Iwashita, Maria e Iemanjá,  161.
T. Goffi, “Maria no itinerário espiritual da Igreja e do cristão”, in NDM, 480-481.
S. Bulgakov, The Wisdom of God, 180.
K. Rahner, Maria Madre del Signore, 38.
K. Rahner, Saggi di cristologia e di mariologia, 416. A. Amato, Jesus Cristo, in NDM, 642.

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